Há cada vez mais opções de parcelamento do imposto com o Estado e startups começam a enxergar nessas demandas um novo mercado.

Por Laura Ignacio — De São Paulo
21/08/2024 05h02 Atualizado há 3 semanas

Para tentar fazer com que a sucessão patrimonial pese menos no bolso, alternativas vêm sendo adotadas para reduzir os custos do inventário e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) – tanto nos casos de antecipação de doação quanto nos de recebimento de herança após a morte. Além da possibilidade de discussão judicial sobre a base de cálculo do imposto, há cada vez mais opções de parcelamento do ITCMD diretamente com o Estado e startups começam a enxergar um novo mercado nos procedimentos feitos em cartório.

Em um movimento de desjudicialização desde o ano de 2007, a Lei nº 11.441 autoriza a lavratura de inventários em cartório no Brasil. Com isso, já foram lavrados mais de 2,3 milhões de registros públicos dessa natureza, sendo o pico nos anos de 2021 e 2022, quando foram registrados 251 mil e 250 mil inventários no país, respectivamente, de acordo com a 5ª edição do relatório chamado “Cartório em Números”.

Segundo Daniel Duque, CEO da startup Herdei, com inventários extrajudiciais, pelo menos R$ 5 bilhões foram economizados aos cofres públicos desde a edição dessa legislação. “O custo do inventário extrajudicial para o contribuinte em São Paulo é em média de R$ 324,00. No judicial, soma-se mais R$ 2 mil, o que ultrapassa 20% do patrimônio médio”, afirma ele. “No cartório, o procedimento é mais rápido e dura até dois meses. No Judiciário, são cinco, seis anos de processo.”

Mas Duque percebeu que muitas pessoas ainda ficavam sem acesso à herança por causa dos altos custos de um inventário. Foi então que ele e seu sócio criaram a “Herdei”, startup que oferece planos de pagamentos flexíveis nesses processos. “Fazemos a avaliação de risco para saber qual opção cabe para aquele perfil de cliente, se boleto em até 60 vezes, ou pagamento no cartão em até 12 parcelas, PIX”, diz. “A desjudicialização veio como oportunidade de negócio”, acrescenta.

De acordo com o artigo 611 do Código Civil, o inventário deve ser aberto até dois meses a contar da data da morte. Além desse prazo, há critérios para o procedimento poder ser lavrado em cartório. Deve haver, por exemplo, consenso entre os herdeiros quanto à partilha dos bens.

Ontem, porém, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, mudanças em relação a outros requisitos. Em breve, o inventário poderá ser feito fora do Judiciário, mesmo com a presença de menores ou incapazes entre os herdeiros, de acordo com Andrey Guimarães Duarte, diretor do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF).

“Desde que o Ministério Público aprove e o pagamento do quinhão do menor ou meação do incapaz ocorra em parte ideal [todos terão uma cota, sem qualquer prejuízo]”, explica. “Se houver testamento, ele poderá ser aberto em juízo e o magistrado autorizar a realização no cartório”, acrescenta.

Além disso, conforme Duarte, se o herdeiro tiver bens, mas não liquidez para arcar com os custos do procedimento e do ITCMD, poderá, por meio de escritura pública, nomear um inventariante que venderá os bens do espólio. “Hoje, é comum uma pessoa receber um imóvel de R$ 1 milhão, não ter R$ 40 mil para quitar o ITCMD e ficar sem fazer o inventário”, diz.

Esses novos critérios para o inventário extrajudicial, contudo, só começam a valer após a publicação da decisão do CNJ e elaboração de um ato normativo que, segundo Duarte, dirá como e a partir de quando tudo se dará na prática.

Seja no cartório, seja no Judiciário, o ITCMD é cobrado sobre a herança e a doação. Atualmente, a alíquota varia de 4% a 8% nos Estados. Mas com a aprovação da reforma tributária, no primeiro semestre deste ano (EC nº 132), o percentual será progressivo: quanto maior o patrimônio, maior a alíquota.

Como esse imposto é pesado, os Estados passaram a oferecer parcelamentos especiais. No caso de morte, o governo paulista permite o recolhimento com 5% de desconto, à vista, em 90 dias (Decreto n° 46.655, de 2002). No caso de doação, o imposto pode ser recolhido em até 12 prestações mensais, com parcela mínima de R$ 1.060,80 corrigidas pela Selic mais 1% ao mês.

Já no Rio, em maio do ano passado, o Estado aumentou o prazo de parcelamento do ITCMD (chamado de ITD por lá) de 24 para até 48 prestações, esteja o imposto vencido ou não, com base na Resolução da Secretaria da Fazenda nº 680, de 2013.

As medidas são estratégicas. O ITCMD representa valores significativos para o caixa dos Estados. Segundo a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), a arrecadação do imposto é crescente e no ano passado alcançou R$ 4,2 bilhões. A Sefaz do Rio informa que, em 2023, 2022 e 2021, ultrapassou R$ 1,5 bilhão por ano.

Mas ainda há quem prefira arcar com o custo de uma ação judicial para tentar reduzir a base de cálculo do ITCMD. No caso de bem imóvel no Estado de São Paulo, a principal tese é a que afasta o uso do valor venal de referência do cálculo do ITBI. “Como em 2022 o valor venal de referência foi declarado ilegal pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça], por meio do Tema 11.113, essa é uma causa ganha, não tem como perder”, afirma a advogada Kelly Durazzo, sócia do Durazzo e Medeiros Sociedade de Advogados.

A diferença do imposto pode ser muito grande, segundo Kelly. “Acabei de entrar com uma ação judicial para receber de volta R$ 1,8 milhão que um banco pagou a mais de ITCMD por ter usado o valor de referência no cálculo”, diz. Segundo a tributarista, além de São Paulo, essa tese pode ser usada em todos os Estados do país, como Rio e Salvador, que já impuseram o valor venal de referência como base de cálculo.

Já no caso em que o bem doado são cotas de holding familiar, a discussão judicial predominante é se a base de cálculo do ITCMD é o valor patrimonial contábil – como defendem os contribuintes – ou o valor venal – como alega o Fisco. Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu a favor do contribuinte (leia mais Tribunal reduz valor de imposto sobre doação de cotas de holding familiar).


FONTE: VALOR ECONÔMICO
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/08/21/herdeiro-consegue-parcelar-ou-pagar-itcmd-menor.ghtml